Tá certo que só faltam seis meses para terminar a faculdade (e não vejo a hora…), mas tenho uma professora de espanhol que é maravilhosa. Aliás tive muita sorte com todas as minhas professoras de l�nguas estrangeiras na faculdade. O fato é que ela pediu que fizéssemos um telejornal em espanhol.
Acho um saco aquele formato “global” consagrado de telejornal. Então pedimos para fazer um curta-metragem e ela topou.
Roteirizei um conto meu chamado “Se Liberta a água” e vamos filmar no domingo. Mas seria “pensar pequeno” montar toda a estrutura que um filme assim exige (produção, cenário, maquiagem, figurino, equipamento, tempo, tempo…) e “só” fazer o curta para a disciplina de espanhol.
Resultado: vamos fazer todas as cenas duas vezes: uma em espanhol e outra em português. E depois… aos festivais…
O conto está no “leia mais”, logo abaixo.
Se Liberta a água
Janeiro. Reunião do Condomínio. Terça-feira à noite. Posse do novo Síndico e dos novos Conselheiros. Duzentos e oito apartamentos. Ele queria ser Síndico e sua campanha havia sido em cima da redução dos gastos do Conjunto Residencial. Recebeu duzentos e oito votos.
Fevereiro. Férias escolares. Muitos estavam na praia. E por isto mesmo algumas despesas deveriam ter diminuído. Mas o valor do condomínio continuava aumentando. Poucos compareceram à reunião.
Março. Condomínio cada vez mais alto. Quase metade dos moradores compareceram. Queriam saber o que estava acontecendo com os gastos. Na primeira fila, Dona Siliberta, quietinha, limpava os óculos com uma flanelinha amarela. Analisando as contas, perceberam que o vilão era o consumo de água. Decidiram, por unanimidade, reduzir o custo.
Abril. O valor já doía no ponto mais frágil do corpo humano, no bolso. Por cento e noventa e três votos a zero decidiram fazer racionamento de água. Banhos curtos, lavar roupa só no tanque, nada de lavadora de louça. Dona Siliberta estava lá. Limpando os óculos. Flanelinha na mão.
Maio. Duzentos nomes no livro de presenças, inclusive a trêmula assinatura de Dona Siliberta. A conta de água estava assustadora. Votaram por contratar uma empresa especializada para analisar a tubulação dos edifícios do conjunto e formular um laudo.
Junho. Duzentas e cinco presenças. Leitura do laudo: inconclusivo. A conta da empresa fez com que a taxa do condomínio subisse ainda mais, levando dezenove moradores a fazer empréstimos. Ameaças de cassação e de renûncia, de um e de outro lado da mesa. Situação insustentável.
Julho. A Companhia de Saneamento anunciou aumento nas tarifas de água. A reunião ilustraria o verbete “Anarquia”. O síndico criou uma comissão de moradores que deveria vistoriar cada apartamento. As vistorias demoraram trinta e cinco dias. Já é a segunda ausência de Dona Siliberta. Ninguém deu por sua falta.
Agosto. Não encontraram nada. Verificando as listas, perceberam que só não foi feita uma vistoria. Batem continuamente na porta de Dona Siliberta. A luz está acesa e são ouvidos sons dentro do apartamento. O Síndico chamou um chaveiro que abriu a porta da frente.
Um forte ruído vinha da cozinha, onde as duas torneiras da pia estavam abertas. Uma mangueirinha conduzia a água do purificador para o ralo. Na área de serviço o tanque de lavar roupa produzia uma grossa coluna de água corrente. No banheiro, o chuveiro, o bidê e a pia justificavam sua existência e um cabo de vassoura mantinha a descarga da privada constantemente em funcionamento.
Dona Siliberta assistia à novela.
– Mas por quê? Por que a senhora deixou todo este tempo a água correndo? – perguntou o Síndico.
Passando a flanelinha amarela nas lentes dos óculos, Dona Siliberta disse para ninguém em especial:
– Prá limpá os cano.