Recebi esta por email.
Jornalistas sugerem suas dicas para escrever bem e ser um bom jornalista
Leão Serva, Editor do Último Segundo
Como escrever bem?
No último dia 16 de maio, o jornalista John Hatcher publicou no site do
O Último Segundo procurou jornalistas brasileiros para pedir a eles uma ajuda complementar: dicas para ser um bom jornalista. O conjunto das duas pode contribuir para a formação de bons redatores.
Diretor do Centro de Jornalismo Comunitário (Center for Community Journalism) e colunista do jornal “Daily Messenger” (Nova York, EUA), Hatcher começou na Internet o processo de produção de suas dicas: ele colocou uma pergunta sobre as dicas em uma lista de discussão para jornalistas no próprio site do Poynter Institute. Recebeu várias dezenas de respostas.
A partir destes primeiros retornos (cerca de 50), o jornalista foi juntando as dicas que eram redundantes ou parecidas e acabou chegando a um universo de 23 sugestões úteis para jornalistas escreverem bons textos.
Depois o autor reuniu alguns jornalistas profissionais e os organizou em grupos, todos com pilhas de jornais ao lado. Cada grupo deveria testar dicas em textos de jornal escolhidos aleatoriamente. Ao final, os grupos votaram e escolheram “A Grande Dica”: “Leia o primeiro parágrafo de um artigo. Agora pergunte, esta frase te incentiva a ler a próxima frase e o restante do texto?”. O Último Segundo reproduziu também as outras dicas.
A matéria é um pouco longa, mas veja a lista completa no Leia Mais.
Hábito de leitura
O Poynter Institute é uma organização de ensino e pesquisa localizada na Flórida, Estados Unidos, responsável por alguns dos principais avanços do jornalismo nos últimos 20 anos. Uma pesquisa promovida pelo instituto sobre hábito de leitura de jornais impressos, em 1990, chamada “Eyetrack” (caminho do olho) alterou completamente toda a visão tradicional que se tinha sobre como os olhos do leitor consumiam o noticiário.
A pesquisa foi feita usando uma microcâmera de vídeo que seguia o movimento dos olhos do leitor para saber como ele se comportava. A conclusão foi que as primeiras coisas que atraem o olhar do leitor são fotos, onde quer que estejam na página, e não textos (numa página com duas fotos, a maior atrai mais).
Dez anos depois, a mesma metodologia de pesquisa foi usada para a Internet e derrubou de novo a visão então predominante (de que o leitor de jornalismo on-line também começava sua leitura pelas fotos): no computador, o leitor preferia os textos, concluiu a pesquisa do Poynter.
Pesquisas como essas duas tornaram o Poynter uma referência mundial.
O Último Segundo inspirou-se na experiência do jornalista norte-americano John Hatcher e decidiu pedir a jornalistas experientes os mandamentos que consideram fundamentais para melhorar o trabalho de jovens jornalistas.
O jornal recebeu 13 respostas. Entre os ouvidos, há jornalistas dos diários “Folha de S. Paulo”, “O Estado de S. Paulo”, “Diário de S.Paulo” e “Correio Braziliense”, escritores, profissionais de rádio e revista, um diretor de escola de jornalismo, além de dois colunistas do iG.
Algumas contribuições contêm uma explicação sobre a origem ou razões para justificar a sugestão. Outras são de estilo “curto e grosso”, como diz um dos autores.
O jornalismo não é uma ciência exata e como atividade mais ou menos recente empresta de outras atividades muitos dos procedimentos. Talvez por isso, várias das sugestões poderiam estar perfeitamente confortáveis em um manual de caça: como o caçador, o jornalista deve manter os olhos bem abertos, como sugeriu o jornalista e escritor Marcelo Coelho, colunista e membro do Conselho Editorial da “Folha de S. Paulo”.
O repórter também deve ouvir mais do que fala, como menciona o escritor e repórter Cláudio Tognolli, da rádio Jovem Pan.
Já outra sugestão parece tirada de um livro de investigação: “Não acredite em tudo que ouve”, diz o jornalista Alberto Helena Jr., colunista do iG e do “Diário de S. Paulo”.
Duas outras dicas refletem uma idéia de imitação, que Aristóteles propunha para a arte já na Grécia Antiga: “Ler, ler, ler, ler”, indica o analista político Ricardo Setti, ex-diretor da revista “Playboy”, ressaltando a importância de textos clássicos para a formação dos autores menos experientes. Já o jornalista Luiz Egypto acrescenta um lado prático à idéia de Setti: “Ler muito e escrever sempre”.
Já o jornalista Luís Edgar de Andrade, autor do recém-lançado “Bao Chi, Bao Chi”, vai no caminho aparentemente oposto: “Não leia jornalistas em geral”.
A condição mercurial do jornalista, como transmissor de informações, é ressaltada na sugestão de outro dos ouvidos pelo US: “Jornalista não precisa saber nada”, diz Renato Pompeu. Por isso mesmo, o correspondente do iG em Israel, Nahum Sirotsky, propõe que o repórter deve “aprender o máximo do assunto antes de sair para a missão”
Para a transmissão eficiente de suas notícias, o jornalista tem de “escrever bem”, como diz secamente outro dos entrevistados pelo US, o diretor de Redação do “Correio Braziliense”, Ricardo Noblat.
E para escrever bem, o diretor de Redação de “O Estado de S. Paulo”, Sandro Vaia, recomenda “contar histórias com começo, meio e fim”.
Distante das questões formais ou de método de trabalho, o jornalista e escritor Alberto Dines, criador do site “Observatório da Imprensa” propõe uma plataforma de postura ética, preocupada com a capacidade do jornalismo para influenciar o mundo ao seu redor: “Antes de dormir, pergunte a você mesmo se naquele dia ajudou a humanidade a buscar a verdade”.
Já o diretor da faculdade de Jornalismo Cásper Líbero, de São Paulo, Marco Antônio Araújo, propõe uma boutade à moda antropofágica: “A vida é curta: não seja crítico de cinema”.
Já o escritor e colunista do iG Fernando Morais fala do esforço do repórter para conseguir suas informações: “Curve-se e rasteje, se necessário, para conseguir sua entrevista”.
De todas as dicas, os jornalistas convidados por Hatcher escolheram uma como a principal é mais importante:
O grande teste para o lead: leia o lead de um artigo. Agora pergunte, esta frase te incentiva a ler a próxima frase e o restante do texto?”
Estas são as 23 dicas consideradas mais importantes para melhorar o texto jornalístico:
1) Um bom texto tem:
· informações precisas
· construção interessante de frases
· escolhas apropriadas das palavras
· passagens claras
· adjetivos e advérbios bem colocados
· estrutura nas orações de forma coerente (paralela) quanto ao tempo dos verbos e número
· seqüência correta de tempos verbais
· gramática correta
· pontuação e ortografia corretas
2) O grande teste para o lead
Leia o lead de um artigo. Agora pergunte, esta frase te incentiva a ler a próxima frase e o restante do texto?
3) Encontrando o enfoque
Todo texto aborda alguma coisa. Os melhores textos possuem um enfoque e um ponto. Tente essas perguntas: Quais são as novidades, as notícias? Qual é o assunto do texto? Qual informação me surpreendeu? O que me surpreenderá como leitor e espectador? O que meu leitor necessita saber?
4) Linguagem ativa
Todos falam que você deve escrever utilizando a “voz ativa”. Alguém já te ensinou a fazer isso? Aqui vai uma sugestão: tente analisar um texto e sublinhe todos os “são”, “é”, “eram” e “foi”. Só valem as formas do verbo “ser” que estiverem seguidas por um outro verbo no particípio, como “foi feito” ou “é realizado”. Agora encontre um meio para reescrever a frase com um verbo mais forte. Dica: o verbo mais forte é o próprio verbo que está depois do verbo ser.
5) Edite seu próprio texto
É quase impossível editar seu próprio texto. Mas ao menos tente. Imprima uma cópia de seu artigo e inicie a leitura do final. Isto deveria te ajudar a examinar o texto com uma visão mais fresca. Encontrou qualquer erro ou frases esquisitas?
6) Destacando as áreas mais problemáticas
Analise um artigo e circule todos os períodos, utilizando um marcador de texto. Agora observe o padrão dos períodos – buscando pelas áreas em que você encontra as sentenças mais extensas. Veja se este recurso te ajuda a identificar frases que possam ser muito longas. Tipicamente, nas frases mais longas você encontra os erros gramaticais, preposições desnecessárias e outros empecilhos para o bom texto. Veja se o texto possui um bom equilíbrio entre as frases longas e curtas.
7) Mostre-me os detalhes
Mostre, não descreva apenas. (Porém, você deverá apresentar adequadamente os detalhes para ter sucesso nesta tarefa).
8) Encontrando a frase que descreve a idéia principal do texto
Sublinhe a frase que descreve a idéia principal do texto, coloque em negrito ou entre parênteses e retorne a esta frase para se certificar de que a história que você está escrevendo sustenta aquela idéia.
9) Atenção com as citações
Atenção com as aspas e citações. Certifique-se de que toda citação incluída vale a pena ser utilizada. Senão utilize paráfrases (cite as idéias sem ser literalmente).
10) Omita palavras desnecessárias
Atenção com as palavras de que você não necessita. Observe construções como “com o objetivo de” e semelhantes adicionam palavras sem idéias novas ou conteúdo.
11) Quanto vale o texto?
Você pagaria 50 centavos (0,90 euro ou o preço de seu jornal) amanhã por ESTE texto que está escrevendo?
12) Seus lábios estão se movendo?
Leia seu texto em voz alta. Você escutará frases estranhas e saberá se uma frase é muito longa ou difícil para ser lida.
13) Buscar e eliminar
Buscar e destruir. Isso significa que após o primeiro rascunho, faça uma busca no texto pelas palavras “fracas” (lá, isso, etc.) ou verbos “fracos” ou advérbios (procure os sufixos “mente”) ou outras frases ou palavras que você tende a utilizar como uma “muleta”, e altere-os para algo mais forte.
14) Vendo o lado positivo
Converter fatos negativos em positivos? Descubra uma maneira de dizer o que é, em vez do que não é? Dizendo o que é geralmente é mais curto, claro e mais direto. (É óbvio que algumas vezes você quer quebrar essa regra). Procure as palavras “não” e “não foi” (ou “não é”) e veja se faz sentido reescrevê-las.
Exemplos:
“O filme não estava encantando e a maior parte das pessoas não ficou até o final”.
Mude para: “O filme estava tedioso e as pessoas foram embora cedo”.
15) Adjetivo: a criança com a faca de cozinha na mão
Aplique adjetivos com a mesma parcimônia com que você daria uma faca a uma criança. Os adjetivos geralmente implicam em julgamentos de valores subjetivos que sua história pode ou não passar (e que os leitores irão interpretar de sua própria maneira).
16) Sobre quem é a história?
Nunca suponha que a visão oficial é o forte da história. Quando eu dou aulas sobre escrita, um dos pontos que eu exijo que os repórteres considerem é de quem é a história. Um exemplo: o prefeito John Higgins irá se desculpar à mulher que ele expulsou de uma reunião pública para amenizar seu longo e caro processo contra ele, afirmou o escritório de advocacia da cidade.
Contada de outro ponto de vista: após dois anos de luta contra a prefeitura, Rita Moore está para conseguir o que queria, um pedido de desculpas formal do ex-prefeito John Higgins.
17) Leia!
Leia bons escritores. LEIA!
18) Resuma sua história em uma palavra
Associe um tema de uma só palavra à sua história – por exemplo, ambição, monopólio, confiança, fome, etc – para manter você concentrado no tema.
19) Detalhes, detalhes
Inclua no texto os detalhes que mostram que o repórter não prestou atenção somente no que foi dito mas também em como e onde foi dito.
20) A grande procura de um jargão
Leia um artigo e assinale todos os jargões, as palavras usadas por autoridades, policiais e jornalistas de esportes que podem não ter sentido algum para os leitores comuns. Olhe essas palavras e veja se consegue uma maneira de traduzi-las para o leitor.
21) Escreva em “tempo real”
Escreva enquanto você apura a notícia. Não espere até ter todas as informações reunidas para começar uma história. Não insista em escrever o lead primeiro. Algumas vezes o processo de escrita trará o melhor lead. Escreva sem anotações. A história deve estar em seu coração e na sua cabeça. Só olhe as anotações para checar os fatos.
22) Antes de escrever
Organize as anotações e informações, desenvolva um sistema bom para você. Você pode utilizar canetas de cores diferentes, estrelas, o que for. Escreva partes da história ou pontos importantes antes de começar a escrever para não esquecer elementos que você quer incluir.
23) Dê uma volta
A menos que você esteja quase na hora de entregar o texto, dê uma volta se estiver encalhado. Se isso não for possível, levante e ande um pouco enquanto trabalha, relaxe e deixe sua mente viajar com a história.
Conselhos dos brasileiros para ser um bom jornalista
Leão Serva, Editor do Último Segundo
1) Abra os olhos
É incrível como os fatos mais importantes, interessantes e inéditos estão ao alcance da vista de todos, e como só um bom jornalista é capaz de enxergá-los.
Marcelo Coelho, colunista e membro do Conselho Editorial da Folha de S. Paulo
2) Jamais acreditar piamente nas palavras ou informações de quem quer que seja.
Alberto Helena Jr., colunista do iG e do Diário de S. Paulo
3) Ouvir mais e falar menos.
Jornalista gosta de ser bem informado. E, sobretudo, mostrar isso aos outros. Mas isso pode se converter em ruído na comunicação. O Elio Gaspari uma vez me disse que o melhor repórter é o mais burro: porque pergunta mais e ouve mais que o jornalista falastrão. Falar muito impede a fluência e escoamento do monólogo. Uma vez o Carlos Maranhão disse que teria de perguntar para Bruna Lombardi, numa entrevista para “Playboy”, quando e com quem ela perdera a virgindade. Ele refere que adotou a técnica do silêncio: mostrou-se tímido, acabrunhado. Fez com que ela se preocupasse com ele. E, nesse vão, Maranhão meteu a pergunta. Ela respondeu com alegria, descontraída, e com muitas informações. É a técnica do silêncio que dá espaço, gap, para o entrevistado se projetar no entrevistador. Uma vez fui entrevistar o meu ídolo, Andy Summers, ex-guitarrista do The Police. Ele me disse que foi estudar arte renascentista para compor. Isso porque os pintores do Renascimento carregavam nas cores dos corpos, mas nos rostos das figuras usavam cores pastel. Era para que o apreciador na pintura pudesse projetar o seu rosto da figura. Isso diz tudo: o entrevistador deve fazer com que o entrevistado se projete nele,se abra. O silêncio surge então como a cor-pastel da arte da entrevista. Nesse sentido, se o entrevistador se mostrar nervoso, cruzar braços, etc, faz com que o entrevistado não se projete. Há um ótimo livro de psicologia que trata disso, do argentino José Bleger, chamado Temas de Psicologia (Martins Fontes, São Paulo 2001) no capítulo chamado “A entrevista psicológica” (p. 3 a p. 48). Saber ficar calado é uma arte, de resto aquilo que os taoístas chamam de Wu-wei, ou não-ação.
Cláudio Tognolli, escritor e jornalista, repórter da rádio Jovem Pan
4) Escrever muito bem.
Ricardo Noblat, diretor de Redação do “Correio Braziliense”
5) Curve-se e rasteje, se necessário, para conseguir sua entrevista. Mostre-se disponível a qualquer hora e local. Carregue a mala do sujeito se preciso. Não tenha vergonha de nada. Minha dica é de terceira mão e não é de minha autoria, mas eu a incorporei como se fosse. Ela foi capturada pelo Ricardo Setti durante uma palestra dada anos atrás por John Brady (ex-editor do “Writer´s Digest” e ex-assistente do diretor editorial da Warner Bros. Records), intitulada “Dicas e técnicas para melhorar sua habilidade e tirar o máximo de seus entrevistados.
Fernando Morais, escritor e colunista do iG
6) Ler, ler, ler, ler, ler, ler – jornais, revistas, livros – ficção, muita ficção, e, claro, não-ficção também -, Internet, peças de publicidade, bulas de remédio, tudo, tudo, tudo.
Ricardo Setti, analista político e escritor, ex-diretor da revista “Playboy”
7) Aprender o máximo do assunto antes de sair para a missão. Só se entende o que se sabe, só se vê o que se conhece.
Nahum Sirotsky, correspondente do iG em Israel
8) Ler sempre e escrever muito; ou, se preferir, ler muito e escrever sempre.
Luiz Egypto, editor do site Observatório da Imprensa(www.observatoriodaimprensa.com.br)
9) Jornalista não precisa saber nada, só precisa saber quem sabe, seja uma fonte, seja uma documentação.
Renato Pompeu, jornalista e escritor, autor de “Quatro Olhos”
10) Não leia jornalistas em geral. Jornalista no Brasil não escreve para o leitor, escreve em jornalês só para jornalistas.
Luís Edgar de Andrade, autor de “Bao Chi, Bao Chi”
11) Você é pago para contar histórias com começo, meio e fim. Seja curioso à exaustão. Não tenha vergonha de perguntar. Caso contrário, mude de profissão.
Sandro Vaia, diretor de Redação de O Estado de S. Paulo
12) A vida é curta: não seja crítico de cinema.
Marco Antônio Araújo, diretor do curso de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero
13) Antes de dormir pergunte a você mesmo se naquele dia ajudou a humanidade a buscar a verdade, atenuar os ódios e melhorar as pessoas. O resto são técnicas.
Alberto Dines, criador do site Observatório da Imprensa e colunista do Jornal do Brasil