Fonte: Relatório Alfa
BIN LADEN INSPIRADO EM ASIMOV?
Pouco tempo depois dos ataques terroristas de 11 de setembro – após o nome ‘Al Qaeda’ tornar-se amplamente conhecido – circulou o rumor de que o nome da organização terrorista e a própria filosofia da mesma teriam sido inspirados pela obra de um dos maiores escritores de ciência e ficção científica, Isaac Asimov.
Há pouco o jornal inglês ‘The Guardian’ abordou e divulgou mais amplamente o rumor em um artigo muito comentado na Internet. Ultrajante como ele possa parecer, e apesar de sua pouca solidez, o rumor revela coincidências extremamente irônicas para dizer o mínimo.
Nos anos 40 Asimov escreveu uma série de contos de ficção científica publicados em revistas populares da área que acabariam por ser reunidos em uma trilogia chamada ‘Fundação’. Sua idéia inicial era escrever sobre a queda de um gigantesco Império Galáctico, inspirado em “Declínio e Queda do Imp�rio Romano” de Edward Gibbon. Contudo, foi em conversas com seu editor Stuart Campbell (algo n�o incomum) que surgiu o conceito de uma vasta s�rie de hist�rias sobre o per�odo de mil anos entre a queda do Primeiro Imp�rio Gal�ctico e o estabelecimento do Segundo Imp�rio, sob a luz do conceito fascinante da ci�ncia da ‘psico-hist�ria’.
A psico-hist�ria � central a toda a s�rie, com a qual Asimov brinca assim como brincou com as leis da rob�tica em sua s�rie de hist�rias sobre rob�s. Tal ci�ncia permitiria prever estatisticamente as rea��es de grandes massas de pessoas, na ordem de bilh�es ou mais, que ele compara ao estudo f�sico-matem�tico dos gases. Embora o movimento de uma �nica mol�cula de g�s seja imprevis�vel, trilh�es de mol�culas de g�s podem ser estudadas e ter seu comportamento previsto com seguran�a. Da mesma forma, as atitudes de uma pessoa s�o imprevis�veis, mas as popula��es de planetas inteiros poderiam ter sua hist�ria prevista estatisticamente com uma seguran�a que s� tenderia a crescer � medida que o n�mero de pessoas englobasse os habitantes de sistemas estelares, e mesmo de toda a Gal�xia.
E � atrav�s da cria��o da psico-hist�ria que o personagem Hari Seldon constata os sinais sutis de que o Imp�rio Gal�ctico em que vive est� no inevit�vel caminho da ru�na. Contudo, com uma ci�ncia capaz de desnudar os caminhos da hist�ria, Seldon mostra que a era de trevas posterior � queda do Imp�rio pode ser diminu�da de 30.000 anos ao m�nimo de ‘apenas’ mil. Ele cria para isso duas ‘Funda��es’, ou seja, as funda��es que garantir�o que as for�as da hist�ria estabele�am o Segundo Imp�rio Gal�ctico no menor tempo poss�vel.
A trilogia da ‘Funda��o’ � grandiosa, um �pico de fic��o cient�fica cobrindo mais de 300 anos que n�o por acaso ganhou em 1966 o pr�mio Hugo de melhor s�rie de fic��o cient�fica de todos os tempos, coerentemente na primeira e �ltima vez que tal pr�mio foi concedido. ‘Funda��o’ deixou para tr�s at� mesmo ‘O Senhor dos An�is’.
Mas n�s deixamos a fic��o cient�fica de lado, e voltamos ao mundo real. O conceito de Asimov sobre uma ci�ncia exata sobre o comportamento humano, muito mais pr�xima da matem�tica que da psican�lise, � contempor�nea e de certa forma uma vis�o ufanista da teoria de jogos, uma parte fascinante da matem�tica desenvolvida por ilustres como o matem�tico h�ngaro John von Neumann, mais conhecido por suas contribui��es � ci�ncia da computa��o. Embora Asimov cite o uso de neurologia, qu�mica e toda uma gama de ci�ncias envolvidas na psico-hist�ria, ele deixa bem claro que seu cerne � matem�tico.
De um ponto de vista mais atrelado � ci�ncia que � fic��o de Asimov, se Hari Seldon tem uma contraparte na vida real ela � ent�o von Neumann, que chegou a aplicar id�ias da teoria de jogos para prever o resultado da Segunda Guerra Mundial e mesmo da Guerra Fria. Ele parece ter acertado, mas � improv�vel que a teoria de jogos tenha realmente desempenhado um papel compar�vel ao da fict�cia psico-hist�ria.
E ent�o, finalmente chegamos aos rumores do mundo real. Em outubro de 2001 uma mensagem em um grupo de discuss�o sobre a R�ssia contempor�nea dizia: Essa mensagem � original de Jack Wormack, e � uma das duas fontes que relataram o rumor da liga��o Al-Qaeda/Funda��o na internet e assim ao mundo.
A outra fonte foi China Mi�ville:
Qual a verdade nestes rumores? O que parece certo � que Al-Qaeda pode sim ser traduzido como ‘A Funda��o’, que � praticamente um sin�nimo de ‘A Base’, a tradu��o mais comum . Ao que tudo indica contudo, o que est� errado � que ‘Funda��o’ de Isaac Asimov nunca foi traduzido ao �rabe. Embora os boatos afirmem que uma tradu��o de Funda��o ao �rabe existiu, ningu�m p�de confirmar a informa��o at� hoje. A est�ria em particular sobre �rabes serem grandes leitores de obras de fic��o cient�fica traduzidas � claramente enganosa, a verdade clara � que tradu��es de obras inglesas de fic��o cient�fica s�o extremamente raras no mundo �rabe.
Se Funda��o nunca foi traduzido ao �rabe, seja como Al Qaeda ou com qualquer outro t�tulo, � dif�cil que tenha se tornado o ‘Mein Kampf’ de Bin Laden. Al�m disso, embora a m�dia tenha divulgado amplamente o conceito da Al Qaeda como algo coeso e bem organizado, as coisas parecem ser na realidade bem diferentes, e o pr�prio nome pode ser uma atribui��o indevida �s organiza��es e atividades em que Bin Laden est� envolvido. E por fim, a situa��o torna-se ainda mais implaus�vel se notarmos que Isaac Asimov era judeu, nascido na R�ssia, que imigrou para os EUA e se tornou um desinibido ate�sta e pacifista. As coisas s� seriam piores na vis�o de mundo que se acredita que Bin Laden tem se Asimov fosse uma mulher.
Ou seja, n�o s� n�o temos nenhuma prova direta de que Bin Laden leu ‘Funda��o’ traduzido como Al Qaeda, como temos s�rias evid�ncias de que ele sequer leria algo escrito por Asimov. O pr�prio nome ‘Isaac Asimov’ j� � evidentemente judeu e russo.
Isso deveria selar a quest�o, mas a paran�ia tem aqui um prato cheio, e isto deriva do pr�prio enredo de ‘Funda��o’. Os paralelos s�o realmente not�veis se apenas nos dedicarmos a procur�-los. A queda do Imp�rio Gal�ctico � a queda do “imp�rio” norte-americano, e Osama Bin Laden seria uma contraparte do personagem Hari Seldon, estabelecendo organiza��es clandestinas formando a base de um novo Imp�rio.
J� contamos qual era o sentido das Funda��es de Seldon – garantir que as for�as da hist�ria levassem ao r�pido estabelecimento de um novo Imp�rio Gal�ctico atrav�s da psico-hist�ria. Tamb�m contamos que o per�odo “mais r�pido” era de mil anos, opondo-se � barb�rie de 30.000 anos que ocorreria sem a m�o de Seldon. Mas Hari Seldon n�o vive 1.000 anos, a maior parte da a��o de Funda��o ter� lugar depois que ele j� tiver morrido. Problema? N�o se lembrarmos do que � a psico-hist�ria, uma ci�ncia capaz de prever o futuro da Humanidade. Seldon deixa pr�-gravadas mensagens hologr�ficas com instru��es que s� s�o exibidas nos momentos certos, momentos de crise j� previstos por ele com s�culos de anteced�ncia. E esse � um outro paralelo com as mensagens de v�deo pr�-gravadas de Bin Laden exibidas pela TV �rabe Al Jazeera.
Um paralelo que pode intrigar � como a Funda��o de Seldon acaba se valendo da religi�o como instrumento no seu rumo ao Segundo Imp�rio Gal�ctico. Inicialmente um grupo pequeno e completamente indefeso de cientistas nos extremos da Gal�xia, a primeira amea�a sofrida pela Funda��o n�o � o distante Velho Imp�rio com seu planeta-capital pr�ximo do n�cleo gal�ctico, mas sim seus vizinhos pr�ximos. Ela consegue superar o perigo por algum tempo valendo-se do equil�brio de for�as de seus vizinhos, contudo uma estabilidade mais duradoura s� � alcan�ada quando criam uma pseudo-religi�o que � adotada pelos habitantes dos planetas vizinhos.
Bin Laden e a Al Qaeda encontraram certa estabilidade atrav�s do Talib�, e se enxerg�ssemos os eventos sob a luz da Funda��o poder�amos imaginar que todo o discurso fundamentalista isl�mico deles � apenas um meio utilizado para a forma��o de um novo Imp�rio, e que seria descartado quando n�o fosse mais necess�rio. Isto porque o uso de uma pseudo-religi�o pela Funda��o de Seldon � descartado assim que as for�as hist�ricas o tornam desnecess�rio em favor de outros m�todos de expans�o, cada um adequado �s circunst�ncias hist�ricas.
Tamb�m pode interessar o fato de que em ‘Funda��o’, Seldon cria de fato duas Funda��es. Uma � amplamente vis�vel, e � a que se envolve com pseudo-religi�es e at� entra em conflito com os remanescentes do Imp�rio. � a ‘Primeira Funda��o’. A outra �, obviamente, a ‘Segunda Funda��o’. Contar muito sobre a Segunda Funda��o deve estragar as boas surpresas do livro, mas para enxergarmos paralelos basta dizer que a Segunda Funda��o � oculta e age de forma extremamente sutil, mas n�o menos importante aos objetivos de Seldon. Haveria uma ‘Segunda Al Qaeda’?
Entretanto, todos esses paralelos s�o tristemente ir�nicos. O que Bin Laden e a Al Qaeda fazem v�o contra tudo que � defendido por Hari Seldon e a Funda��o. O mais expl�cito sinal disto � um dos motes da Funda��o em seus primeiros momentos de crise: “A viol�ncia � o �ltimo ref�gio dos incompetentes”. Afinal, seu objetivo n�o � simplesmente o estabelecimento de um novo Imp�rio, o que poderia talvez ser feito � for�a em bem menos que mil anos, mas sim o estabelecimento de um Imp�rio verdadeiramente novo, mais est�vel e capaz de durar por eras. Estabilidade pode ser muito mais garantida com felicidade que com medo.
A liga��o Funda��o/Al Qaeda � basicamente uma coincid�ncia, mas n�o se resume a isso. Os eventos de 11 de setembro e as pretens�es de Bin Laden s�o algo de envergadura enorme, e seria esperado que houvesse pontos em comum com um �pico de fic��o sobre a queda e estabelecimento de um novo Imp�rio. Isto pode ser mesmo notado quando os terroristas se escondendo em cavernas no Afeganist�o encontram paralelos com outra obra de fi��o, Duna de Frank Herbert, que envolve desertos, jihads, l�deres messi�nicos e Imp�rios decadentes. Incidentalmente, o nome tribal secreto que o personagem central recebe em Duna � Usul, que significaria ‘a base do pilar’. A base, a funda��o, Al Qaeda.
Uma outra nota nesta discuss�o � a bizarra constata��o de que Funda��o foi de fato usado como guia por um culto fan�tico. Foi o culto japon�s Aum Shinrikyo, um misto doentio e distorcido de cren�as m�sticas orientais com fic��o cient�fica ocidental. O chefe de ci�ncia da Aum, Hideo Murai, alegou que Funda��o era sua maior inspira��o, com seus ensinamentos a respeito do estabelecimento de um novo Imp�rio por um grupo isolado e pioneiro de cientistas. O culto lan�ou o ataque terrorista com g�s sarin ao metr� de T�quio em 1995, intoxicando mais de 5.000 pessoas e matando doze. Agora desmantelado, ele ainda parece sobreviver sob outros nomes e formas. � bem prov�vel que seus remanescentes ainda se ‘inspirem’ pela obra de Asimov. Murai foi morto algum tempo depois de fazer sua declara��o sobre Funda��o.
No final, a maior e mais triste coincid�ncia entre a fic��o de Asimov e a realidade contempor�nea s�o as pretens�es megaloman�acas ou messi�nicas de certos grupos fan�ticos, que infelizmente n�o coincidem com a sabedoria que pode ser encontrada at� mesmo em obras de fic��o cient�fica. “A viol�ncia � o �ltimo ref�gio dos incompetentes”.
muito boa essa matéria. Li tudo que me caiu nas mãos sobre Asimov. Acho Asimov um Julio Verne da mente