Quase tudo era cinza e vertical. Se não cinza, pelo menos vertical.
– Foi você?
– Não. Você?
– Se fosse tava perguntando?
– Sei lá.
– Quem foi?
– Sei lá.
– Não liga?
– Tá melhor do jeito que tá.
– Acho que ele não concorda.
– He he he…
– Vocês aí! Calem a boca!
Os edifícios eram altos. Cinza. Muros altos. Cinza. Passarelas de metal pintadas de cinza. Cadeiras de plástico cinza. Mesas de metal cinza escuro, presas no chão de cimento cinza por parafusos pretos sem cabeça. Impossíveis de serem removidos sem equipamento especial. Seguros.
As paredes internas, de um cinza esverdeado, doente, parecia a pele de algo morto. Fazia com que todos se sentissem como aquilo que está por dentro da coisa morta, embaixo da pele cinza.
– … fome.
– E eu frio.
– Mandei vocês calarem a boca, porra!
Olhar.
– …
Olhar.
– …
Sussurrado.
– Detesto contagem.
– Também.
– Sabe alguma coisa mais?
– Só que ele era barra. Pesada.
– Quem de nós não é?
– Tá certo…
Cinza em volta. Cor de pele no meio. Gangrena matando. Comendo a carne. O pátio do presídio era grande, cinzento, mas com tantos homens nus, em pé, tentando afirmar sua postura vertical cor de carne, parecia uma gaveta de criado mudo. As paredes cinzentas esmagavam a carne e o espírito.
Os uniformes cinzentos dos gigantescos guardas só contrastavam com o negro dos coturnos, dos cinturões e dos cassetetes; que eram da mesma cor dos canos das armas dos outros guardas nas passarelas de metal.
Por tudo, também cinza, também verticais, o supremo sinal de que aquele ali não era um local comum: as grades. Deixam ver, mas não deixam passar. Ameaça de liberdade. Sonho além do pesadelo. Realidade tangível depois de anos. De vidas, às vezes.
Vidas como passagem de tempo, para aqueles que só cumprem a pena. Vidas tomadas, como os que matam. Vidas tomadas, como os que as perdem. Como o corpo da cela 215, também nu, cor de carne, seviciado, trancado, mas sem sentir frio ou fome. Só um pouco diferente dos outros verticais, no pátio. Sua carne, acinzentada. Sua cor original espalhada pelo chão, vermelha.
Antes das estocadas que abriram o corpo para a cor sair, deixaram, pelo menos, que ele mantivesse sua dignidade. Morreu na vertical. Preso pelos pulsos no alto das grades da janela. Em pé. Como homem. De costas para as grades. A centímetros do sonho. Do lado de dentro do pesadelo.
Gostei, bem pictórico… abraços
Falou, Dom. Brigadão. Apareça sempre.
“a centímetros do sonho”…
e, “a cor original espalhada…”
ufs…
duro.
ah, danem-se os bons modos:
uma porrada, eu diria.
:/
Quem diria, Fábio Marchioro agora atacando de mini-contos … perfeitos … como sempre .. (=
Excelente…confesso que fiquei meio cinza tbm.
Muito legal! Beijo!