Fico fascinado pelas oportunidades que um dia contém. Quando menos esperamos, um pequeno detalhe, uma decisão menor que alguém tomou, sabe-se lá quanto tempo atrás, muda a nossa vida.
Vc sabia que o ato de escrever (na sua acepção mais simples e direta, ou seja, produzir idéias coerentes em forma de texto, não estou fazendo nenhum vôo intelectualóide), seja um diário pessoal que ninguém vai desencavar da sua gaveta, um blog que algumas pessoas vão ler ou o editorial do mais importante jornal do país, gera uma absurda responsabilidade?
Não importa com que força, sensibilidade ou profundidade toquemos uma pessoa que lê um texto nosso, nossa marca vai com ela. Pode ser pelo simples fato de que ela “perdeu” tempo passando os olhos pelas letras que enfileramos. Pode ser pq, como aconteceu comigo ontem, um texto… ou melhor, quatro palavras, vibraram para mim com uma força especial.
Lê-las, foi mais do que compreendê-las. Aquilo não era uma frase, era uma pele para usar, uma roupa para vestir, uma armadura para me proteger. Era música para embalar não os meus sonhos, mas a minha vigília e os mais lúcidos momentos de meu trabalho.
A Meg, do Sub Rosa, foi quem enfileirou aquelas quatro palavrinhas e, ao mesmo tempo, me sacudiu pelos ombros, abrindo meus olhos. Ela fez um post com um link para um site com uma entrevista com o escritor gaúcho Luiz Antônio de Assis Brasil, onde é feita a seguinte introdução:
“O escritor LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL, 52 anos, patrono da 43a. Feira do Livro de Porto Alegre, é metódico até no sono. Dorme regularmente cinco horas por dia. às 4h já circula pelo amplo apartamento da Avenida Lavras, no bairro Petrópolis, entre livros e troféus de caça. Compartilha com a maioria de seus colegas de ofício, e com os romancistas em particular, a preferência pelo trabalho matutino. Sua mulher, Valesca, vai encontrá-lo horas depois sentado em frente ao microcomputador, empenhado numa luta particular e silenciosa para pôr em prática a divisa que tomou emprestada aos romanos: nulum die sine linea – nenhum dia sem (escrever) uma linha.”
Foram estas as quatro palavras que entraram em mim como um alento de ar fresco de setembro perfumado de manacá:
NULUM DIE SINE LINEA
Traduzindo do latim, nada mais simples: nenhum dia sem (escrever) uma linha, ou, em uma ordem mais direta, mas mantendo a forma das quatro palavras:
TODO DIA UMA LINHA.
Apesar do sentido estar implícito, acho que cabe aqui a ressalva: todo dia PELO MENOS uma linha.
Durante alguns anos, minha esposa Nancy e eu mantivemos um site chamado Manual de Sobrevivência do Novo Escritor. Neste período, respondi em torno de 1.500 mensagens de pessoas que queriam trocar idéias sobre como escrever.
Sempre fui enfático em um detalhe: disciplina. Escrever todo dia é fundamental. É ABSOLUTAMENTE ESSENCIAL. Se vc não está inspirado, escreva assim mesmo. Quando, tempos depois, com a musa sobre os ombros, for revisar o texto, mude tudo, se quiser. Mas, talvez mais importante, lá atrás, naquele dia frio, com fome, com dor de cabeça, cansado, preocupado, vc se perguntou, “catso, sou ou não um(a) escritor(a)?” e, superando tudo, especialmente à vc mesmo, produziu alguma coisa. Delineou uma personagem, estruturou uma cena, rascunhou um parágrafo, escreveu uma linha ou simplesmente enfileirou quatro palavras. Às vezes é o que basta.
É nestes instantes que é forjado o escritor que estará pronto para receber a musa. Esqueça aquele local sombreado, com água corrente murmurando em sintonia ao canto dos pássaros. Mas esqueça mesmo. Especialmente pq se vc quiser mesmo escrever, não terá tempo para ficar lá admirando a vista. Ou estará furiosamente preenchendo linha após linha de uma folha que estará maravilhosamente ficando coberta de tinta ou estará martelando desesperadamente o teclado de um pc, notebook ou pda. E naquela folha ou naquela tela, estará sendo registrado um pedaço do seu espírito, do seu gênio, da sua inteligência, do seu coração, do seu suor, da sua alma.
O mesmo poderá acontecer no seu apartamento, na sua casa, no seu escritório, no engarrafamento, na sala de espera, em qualquer lugar. Quando isto acontecer, nem que sejam só quatro palavras, e só então, sinta-se escritor. E lembre que, mesmo só quatro palavras, formam uma linha. E que ela estará plena de significado e responsabilidade.